Quando o apóstolo Paulo recomendou aos cristãos de Roma “Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens” (Rm 12.18), estabeleceu um princípio imprescindível à convivência cristã, ao qual precisamos estar atentos se quisermos preservar nossos relacionamentos como algo verdadeiro, sólido, edificante, saudável: a eliminação dos conflitos. Nessa área específica, a dialógica deve sobrepor-se à dialética. Esta estabelece o conflito como normal nos relacionamentos, enquanto aquela está firmada na conversa boa, agradável, respeitosa. Nesse aspecto, a dialética reflete uma clara intenção de dominação do homem pelo homem. Marx observou a existência desse conflito como algo natural nos seres humanos, que engrandece seus instintos animalescos, e criou o método denominado “materialismo dialético”, para compreensão dessa realidade. Do ponto de vista cristão, a natureza belicosa do homem é fruto do pecado e precisa ser resolvida, cravada na cruz de Cristo, sepultada com a conversão. Quando ameaça ressuscitar, ela precisa ser novamente aniquilada.
Um relacionamento estabelecido em subjugação não é nem espontâneo, nem prazeroso para a parte mais fraca, porque a vontade expressa do mais forte não permite que essas relações sejam uma troca, mas, uma dura, e na maioria das vezes, desigual imposição. Normalmente, o mais fraco não tem alternativa a não ser concordar, baixar a cabeça dizendo “sim”, “concordo”, “vou fazer”, “você está certo”, por não ter o direito à apresentação de uma ideia pessoal, de um pensamento divergente, mesmo que isso não se configure em franco ataque. Ele é apenas um executor de ordens. Um relacionamento assim é por demais burocrático, administrativo, hipócrita, porque revela uma falsa harmonia. Por ter muito a perder com o rompimento, quem assim se submete opta pelo mal menor, o que configura um relacionamento que não é benéfico, e sim, maléfico. Não é essa a proposta cristã.
Ter paz com todos os homens constitui-se, por princípio, numa premissa universal, na qual ninguém com quem nos relacionamos deve ser alvo de ataques. Significa também que, por iniciativa nossa, à vista do que depreendemos da expressão “quanto estiver em vós”, devemos construir com as pessoas uma convivência pacífica. Portanto, é na paz, e não na guerra, que a vitória nessa área se estabelece. Mais: enquanto durar o conflito, a postura bélica, por menor que seja ela, aparentando a inexistência da peleja, não podemos falar de harmonia em nossa vida de relacionamentos, porque a força é que está ditando as regras. Aquele que se submete fica aguardando ansiosamente o momento de proclamar sua independência e, às vezes, essa espera é tão insuportável que, qual panela que explode com a pressão, o seu grito será o de “independência ou morte”, proclamação de sua liberdade.
É na proximidade do outro, respeitando o que fala, ouvindo-o atentamente, sem conflito, para depois usar a sua vez e sinceramente expor sua opinião, ocupando o seu espaço e, no final da conversação, ambos concluírem o assunto, colhendo os resultados positivos da conversa edificante, que precisamos coexistir, a fim de que todos sejamos iguais nos relacionamentos. Aos que já caminham por essas trilhas da vida de convivência pacífica, deixo os meus efusivos estímulos para que continuem assim, pois a bênção de Deus será derramada sobre vocês. Aos adeptos do malfazejo conflito, da guerra, da força, aconselho que sepultem logo esse velho homem! Paulo chama isso de corrupto trato passado que precisa ser extirpado de nossa convivência. “Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano” (Ef 4. 22). Ora, se isso é passado, que fique lá, na história do que fomos, não do que somos!
Neste mês, quando a nossa vigilância se volta para a nossa convivência, para que ela seja saudável e duradoura, que tal eliminar a forma belicosa presente em nosso relacionamento conjugal, nas relações com nossos filhos e irmãos, em nossas amizades, principalmente aquelas com nossos irmãos de fé? Fazendo isso, Deus estará conosco nessa luta que nada tem de dialética, mas que é plena das abençoadas qualidades cristãs de ser e de viver.